Em fevereiro de 2018 certa
galeria pública britânica retirou uma pintura de suas paredes. “Hilas e as
Ninfas” não é muito conhecida fora da Inglaterra, assim como não é o seu autor John
William Waterhouse, que a pintou em 1896. No entanto os seios das sete moças
expostos na pintura perturbaram a equipe de curadores, que decidiu, segundo
eles mesmos, estimular o debate.
Esse episódio permite destacar
alguns elementos do que podemos chamar, inadequadamente, de estética
politicamente correta, ou PC.
Quando o professor Harold Osborne
publicou a primeira edição de sua Estética e Teoria da Arte em 1968 tal visão
não existia. É com base nesse ótimo compêndio das ideias estéticas na História
que faremos esta exploração.
Os curadores informaram que sua
atitude foi inspirada pelo movimento #MeToo,
uma iniciativa de denúncias públicas sobre supostos crimes de ordem sexual. Nos
artigos a favor ou contra a retirada constam argumentos esclarecedores:
exploração do corpo da mulher; estímulo ao desejo sexual masculino (male gaze); algumas das ninfas parecem
ter menos de dezoito anos; as atitudes quanto à mulher mudaram, as instituições
de arte devem mudar também.
Contra a retirada da pintura afirmou-se:
o pintor só usou uma modelo, para as sete ninfas, e esta era maior de idade; as
ninfas atraíram Hilas para afogá-lo, não para se entregarem a ele.
Discute-se um antes e um depois da obra: a idade de uma modelo morta há muito; as
repercussões na sexualidade de alguns espectadores; a legalidade, considerando-se
a legislação de hoje sobre a proteção a menores; a necessidade de se integrar a
movimentos sociais de hoje; se as ninfas estavam sendo seduzidas ou se tinham
outras intenções.
Discute-se um antes e um depois: a pintura em si é virtualmente esquecida. Note-se que nos
argumentos, contra e a favor da retirada, aquela tela pintada estendida em uma
armação de madeira perde importância.
Uma primeira constatação salta: a
estética PC se integra no grande bloco de teorias instrumentais da arte. Estas
preconizam que a Arte deve servir para alguma coisa fora delas. Alguma coisa que
pode ser a pátria, a elevação moral, o ensino das massas, a revolução, o
entretenimento, ou mesmo, no caso dos românticos, a expressão de emoções.
No caso, a estética PC argumenta
que uma obra de arte deve ser julgada por sua adequação ou não a movimentos
sociais contemporâneos. Dentro desse debate, faz pleno sentido se discutir a
idade de uma moça no final do século XIX ou a possível resposta sexual de
alguns cavalheiros ante a representação de seios. Isso é muito mais importante o
que enfatizar composição, visão diagonal da obra, posicionamento dos elementos,
harmonia de cores. O olhar do esteta PC se fixa no que lhe interessa: no caso, seios,
e suas repercussões.
A estética PC portanto não
pertence aos dois outros blocos de teorias: o naturalismo, que acredita que a
arte deve imitar uma realidade fora dela, e o formalismo, para o qual a obra é
autônoma e regida por suas próprias leis.
Prossigamos no próximo artigo.